Se se derem ouvidos aos rumores nos círculos da reforma das políticas de drogas, o Natal chegou mais cedo neste ano. Para ser preciso, chegou por volta do Dia das Eleições, quando os democratas recuperaram o controle do Congresso após 12 longos anos ao relento. Há uma longa lista de questões relacionadas com a reforma das políticas de drogas que o Congresso controlado pelos democratas pode tratar e espera-se muito que, após uma dúzia de anos de império republicano no Capitólio, o progresso aconteça pelo menos em algumas delas. Mas, será que o Congresso democrata resultará ser um Papai Noel, dando presentes a um movimento que esteve muito tempo ao relento ou será que resultará ser mais como o Grinch, oferecendo brindes só para tirá-los?

o Capitólio dos EUA, lado do Senado
A
Crônica da Guerra Contra as Drogas está tentando descobrir o que provavelmente vai acontecer, então conversamos com uma série de organizações de reforma das políticas de drogas, especialmente com aquelas que têm uma forte presença e pauta de pressão sobre os federais, bem como com os escritórios de alguns dos representantes que vão desempenhar papéis fundamentais no Capitólio no próximo Congresso.
A lista de questões da guerra às drogas em que o Congresso pode agir no ano que vem é extensa de verdade:
- A reforma das penas – ou lidar com a disparidade do pó e pedra de cocaína ou das mínimas obrigatórias ou de ambos, e demais reformas;
- A maconha medicinal, seja a emenda Hinchey-Rohrabacher que impede verbas federais para fazer reides contra pacientes e fornecedores em estados em que ela é legal ou o projeto de direitos dos estados à maconha medicinal de Barney Frank;
- O Gabinete de Política Nacional de Controle das Drogas (ONDCP – a secretaria antidrogas) tem que ser reautorizado;
- A Lei de Ensino Superior [ Higher Education Act (HEA)] e sua disposição antidrogas têm que ser reautorizados;
- Tirar as restrições contra infratores da legislação antidrogas de vales-alimentação, moradia pública e demais serviços sociais;
- O projeto de apropriações de Washington, EC, em que o Congresso tem impedido o Distrito de promulgar programas de troca de seringas ou uma lei de maconha medicinal aprovada pelos eleitores;
- O Plano Colômbia;
- A guerra no Afeganistão e as políticas antiópio dos EUA;
- A crise da dor e a guerra contra os terapeutas da dor;
- A legislação sobre a reinserção dos presos, particularmente a Lei da Segunda Chance [Second Chance Act];
- Os reides da polícia.
Embora haja otimismo nos círculos de reforma das políticas de drogas, está moderado por uma dose salutar de realismo. O Congresso é um lugar em que é notoriamente difícil fazer (ou desfazer) uma lei e embora parte da nova liderança democrata tenha feito declarações simpáticas sobre certas questões, a reforma das políticas de drogas não é exatamente uma questão de alta visibilidade. Falta ver se os congressistas democratas decidirão usar os seus recursos políticos avançando uma pauta que pode ser atacada como “indulgente com as drogas” ou “indulgente com a criminalidade”. Mas, de acordo com um dos observadores mais astutos do Capitólio do movimento, alguns “frutos baixos” podem estar ao alcance da mão no ano que vem.
“Algumas das coisas mais fáceis de conseguir no novo Congresso serão a proibição de auxílio a estudantes com delitos de drogas da HEA, porque os democratas terão que lidar com a reautorização da HEA, e a proibição do acesso ao TANF (Auxílio Temporário às Famílias Carentes) para moradia pública, porque terão que tratar da reforma da previdência social”, disse Bill Piper, diretor de assuntos nacionais da Drug Policy Alliance. “Também há a oportunidade de revogar dispositivos no projeto de apropriações de DC que impedem as trocas de seringas e a maconha medicina. Estes são os frutos baixos”.
Para Piper, há a oportunidade de ver o movimento em uma segunda fila de questões, inclusive a maconha medicinal, a reforma das penas e as políticas para a América Latina. “Podemos receber os votos para aprovarmos a [emenda] Hinchey-Rohrabacher na Câmara e passá-la ao Senado?” perguntou. “Também há uma boa chance de mudar completamente a maneira pela qual lidamos com a América Latina. Podemos presenciar uma mudança no financiamento dos militares a programas de tipo sociedade civil e da erradicação à substituição de cultivos”, disse. Além do mais, há boas chances de reforma das penas. Os democratas podem chegar a um acordo com o Senador Sessions (R-AL) e outros republicanos sobre a disparidade pedra-pó ou será que vão tentar brincar de política e retratar os democratas como se fossem indulgentes com a criminalidade? Bush a vetaria se fosse aprovada?”
Claramente, a esta altura, há mais perguntas do que respostas. Mas, o terreno político mudou, observou Piper. “Já não estamos na defesa”, debateu. “Agora não temos que lidar com gente como Souder e Sensenbrenner e todos os seus projetos idiotas. Isto nos deixa em uma posição muito boa. Pela primeira vez em 12 anos, podemos passar à ofensiva. E, completamente diferente de doze anos atrás, os democratas que controlarão os comitês fundamentais são muito, muito bons. Esta é provavelmente a primeira vez desde os anos 1980 que a reforma das políticas de drogas esteve em posição de passar à ofensiva”.
Os deputados simpatizantes da reforma da legislação sobre as drogas assumirão cargos fundamentais no próximo Congresso, liderados pelo Dep. John Conyers (D-MI), que será o futuro presidente do crucial Comitê Judiciário da Câmara. Quem vai substituir o autor da disposição antidrogas da HEA e importante guerreiro antidrogas do Congresso, o Dep. Mark Souder (R-IN), como presidente do importante Subcomitê de Justiça Criminal, Políticas de Drogas e Recursos Humanos do Comitê de Reforma Governamental será o Dep. Elijah Cummings (D-MD) ou o Dep. Danny Davis (D-IL) – a designação ainda não está estabelecido -, enquanto que o Dep. Bobby Scott (D-VA) presidirá o Subcomitê de Criminalidade, Terrorismo e Segurança Nacional do Comitê Judiciário, um subcomitê de suma importância quando se trata da reforma das penas.
Embora seja cedo demais para conseguir compromissos firmes dos presidentes de comitês sobre audiências no ano que vem, um porta-voz do Dep. Conyers disse à Crônica da Guerra Contra as Drogas que a reforma das penas está definitivamente em discussão. “É claro que o Congressista Conyers está interessado nestas questões, ele tem sido bem franco sobre isto e é algo de que tratará, mas não criamos a nossa pauta e ainda não temos uma agenda”, disse o porta-voz do Comitê Judiciário da Câmara, Jonathan Godfried. “Mas, isto definitivamente será uma questão para a o comitê”, acrescentou.
Conyers e o novo Congresso democrata podem ainda não ter estabelecido as suas pautas, mas o movimento pró-reforma das políticas de drogas certamente o fez, e a reforma das penas, seja através do trato da disparidade nas condenações para o pó-pedra de cocaína, seja mediante um ataque geral contra o esquema federal das sentenças mínimas obrigatórios, é o alvo central. Talvez previsivelmente, muitos reformadores importantes disseram que lidar com a disparidade entre a pedra e o pó não era o bastante.
“Tem havido muita discussão sobre eliminar a disparidade das penas para a pedra e o pó de cocaína ou mesmo sobre tirar a definição de pedra das normas completamente”, disse o diretor executivo da DRCNet, David Borden. “Claro, nós apoiamos isso, mas também esperamos que as próprias sentenças mínimas obrigatórias e as normas de condenação sejam abordadas. São problemas muito maiores, que afetam muito mais pessoas do que uma parte polêmica, porém pequena delas. Pode ser que apenas pequenas mudanças sejam possíveis a esta altura, mesmo com os nossos melhores amigos do Congresso em cargos importantes. Não obstante, a chance deveria ser aceita para alçar as questões gerais sobre as penas, organizar-se em torno delas, construir o apoio, atrair os defensores de projetos de revogação das mínimas obrigatórias, todas as coisas que acompanham qualquer campanha legislativa – há um momento melhor do que este?”
“Embora favoreçamos com certeza a reforma da disparidade entre pedra e pó de cocaína, precisamos parar de pensar pequeño”, disse Julie Stewart, diretora executiva da Families Against Mandatory Minimums. “Precisamos examinar a reforma das penas como um todo. Vamos pedir legislação para lidarmos com a disparidade pedra-pó, mas também vamos pedir audiências sobre a ab-rogação das sentenças mínimas obrigatórias”, disse. “Se podemos consegui-las é outra questão, mas chegou a hora de pedirmos o céu”.
Os sentimentos de Stewart foram repetidos e amplificados por Nora Callahan, diretora executiva da November Coalition, um grupo de reforma das políticas de drogas que se concentra em conquistar a liberdade para os presos federais da guerra às drogas. “Precisamos é de um projeto abrangente de criminalidade”, disse Callahan. “De outro modo, vamos continuar destroçando isto durante as próximas cinco décadas. Um projeto geral abriria a porta para ampliarmos as audiências nas quais poderemos lidar com uma miríade de efeitos negativos da guerra às drogas, da reclusão de enormes números de pessoas a privarmos estudantes de empréstimos e os pobres de moradia e demais benefícios federais, e da corrupção policial à violência policial. Se tentarmos lidar com todos estes problemas um por um, a população prisional terá dobrado de novo quando acabarmos”.
É claro que a reforma das penas não é a única questão sobre a qual os ativistas vão fazer pressão no ano que vem. A maconha medicinal continua na pauta, com o esforço mais intenso girando provavelmente em torno da emenda Hinchey-Rohrabacher, que impediria o uso de verbas federais para sitiar pacientes e fornecedores em estados em que ela é legal. “Vamos buscar proteções consideráveis para os pacientes de maconha medicinal”, disse Aaron Houston, diretor de relações governamentais no Marijuana Policy Project. “Julgaremos o progresso por até que ponto os pacientes podem usar o remédio que mais os ajuda sem temor de detenção ou processo federal. Precisamos de reformas consideráveis, não algumas que pareçam consideráveis, mas não são, como a reclassificação”, acrescentou.
“As nossas prioridades legislativas no passado têm sido a Hinchey-Rohrabacher, o projeto de direitos dos estados à maconha medicinal e a Ley Verdade nos Julgamentos [ Truth in Trials Act], que permitiria a defesa afirmativa em tribunal federal”, disse Houston. “Destas, esperamos poder aprovar a emenda Hinchey. No ano passado, tivemos 167 votos e conquistamos 19 novos membros em Novembro que achamos que nos apóiam. E quando o Presidente eleito Pelosi assumir em Janeiro, será a primeira vez que teremos um forte defensor da maconha medicinal à frente da Câmara dos Deputados”.
Aqueles números são encorajadores, mas ainda não são suficientes para vencer. São necessários 218 votos para alcançar a maioria na Câmara se todos votarem.
E como observou Piper da DPA acima, o projeto de reautorização da HEA no ano que vem deveria ser uma boa chance para derrubar o dispositivo antidrogas de Souder de uma vez por todas. “Temos uma tremenda oportunidade aqui com os democratas assumindo o controle e decidindo qual legislação segue adiante”,disse Tom Angell, diretor de comunicação do Students for Sensible Drug Policy (SSDP). “O Dep. George Miller (D-CA) presidirá o Comitê Trabalhista da Educação da Câmara e é um co-defensor da Lei RISE. Além do mais, como um dos nossos maiores simpatizantes, o Dep. Rob Andrews (D-NJ), está pronto para presidir o subcomitê que lida com o ensino superior, que é onde a Lei RISE está agora”.
Mas Andrews pode não acabar com a presidência, avisou Angell. “Ele é defensor das faculdades com fins lucrativos e a liderança democrata não gosta disso, então poderia não consegui-la”, disse.
“Nós gostaríamos de revogar a disposição antidrogas da HEA e achamos que isso é possível no novo Congresso”, disse Borden da DRCNet. “Simplesmente não há muita paixão de muitos congressos para manter a disposição, mesmo entre aqueles que votaram para isso. Nós gostaríamos de ter leis para revogarmos disposições similares na legislação sobre o bem-estar e a moradia pública – temos uma coalizão de mais de 250 organizações que se inscreveram para revogar o dispositivo antidrogas da HEA e ativar essa rede e construí-la para assumir mais questões está definitivamente na nossa pauta”.
A Lei RISE (Tirando Impedimentos à Educação dos Estudantes) revogaria a disposição antidrogas da Lei de Ensino Superior [Higher Education Act (HEA)], a meta fundamental do SSDP no Congresso. Embora Angell estivesse otimista a respeito das perspectivas no próximo Congresso, também estava procurando indícios prematuros. “A apresentação do projeto, o número de co-defensores e os nomes mais importantes por trás disso serão um bom indício das chances de revogação da pena”, disse. “Espero que isso aconteça no início da sessão. Tivemos 84 reuniões de pressão no Capitólio durante a nossa conferência anual no mês passado e vamos acompanhá-las e trabalhar de perto com o pessoal do comitê de educação”.
Mas, revogar a disposição antidrogas da HEA não é a única meta do SSDP no Capitólio, disse Angell. “Esperamos trabalhar com a DPA e o MPP para reduzir ou eliminar o financiamento para a campanha midiática do ONDCP e trabalharemos para reduzir ou eliminar o financiamento para as subvenções aos exames toxicológicos de estudantes”, explicou. “Além da HEA, essas são as nossas questões de maior importância”.
Um tema que tem surgido como tópico quente nas últimas semanas é o tema da violência policial. Com o assassinato da idosa de Atlanta, Kathryn Johnston, em um reide antidrogas “inadvertido” e a matança do morador da Cidade de Nova Iorque, Sean Bell, alguns dias depois em um tiroteio com mais de 50 disparos feitos pelos oficiais da Polícia de Nova Iorque, a violência policial é o centro das atenções. Nesta semana, o ativista dos direitos civis e o ex-candidato à presidência, o Rev. Al Sharpton, pediu audiências sobre a questão no Congresso. Sharpton disse que já esteve em contato com o Dep. Conyers sobre a possibilidade.
Borden da DRCNet também gostaria de ver algo assim. “Nós gostaríamos de presenciar ações para refrear estas forças policiais paramilitares e não ter equipes da SWAT derrubando as portas das pessoas em plena noite quando não há uma situação de emergência. Acho que deveria haver audiências no Congresso, bem como nas assembléias estaduais, com as vítimas dos reides antidrogas mal-executados desempenhando papéis importantes, assim como com os especialistas da polícia, dos direitos civis e afins. Estamos pensando em lançar uma petição para tudo isto”, disse.
Então, há a guerra às drogas dos EUA no exterior. Com o Plano Colômbia prestes a adentrar o seu sétimo ano e com o fluxo estável da cocaína apesar de muita fumigação aérea de herbicidas, os democratas do Congresso procurarão cortar ou realocar o gasto estadunidense para dar ênfase ao desenvolvimento em vez de enfatizar a guerra contra as drogas. E apesar de o Congresso não ter se agarrado com as contradições sérias e inerentes a fazer guerra contra a papoula ao mesmo tempo em que busca fazer guerra contra o terror no Afeganistão, os fatos sugerem que será incapaz de continuar ignorando-as.
Este deve ser um ano de mudanças em nossas políticas de drogas no exterior, disse Borden da DRCNet. “Nós gostaríamos de prensar o paro dos programas de erradicação da coca e da papoula. São inúteis; tudo o que fazem é mudar o cultivo de um lugar a outro”, observou. “No Afeganistão, isso está levando as pessoas aos braços do Talibã em busca de proteção e isso é desastroso para os nossos interesses nacionais e potencialmente para a segurança global. Há planos críveis em vista, da ONU, de outros corpos internacionais e de especialistas no setor sem fins lucrativos, que não fiam na erradicação; vamos examiná-los”.
Borden também instou o Congresso a lidar com a crise no tratamento da dor no contexto da guerra do governo contra o abuso de drogas prescritíveis e os processos dos terapeutas da dor. “Por último, algo deve ser feito no tocante aos processos criminais dos terapeutas da dor”, disse. “Acho que a lei nesta área tem sido fundamentalmente afetada. Conyers deu o seu apoio a trabalhos importantes que estão sendo feitos nesta área. Agora, está em posição de fazer mais pressão”.
Os reformadores das políticas de drogas têm uma agenda ocupadíssima para o Congresso para os dois próximos anos. Os democratas do Congresso disseram que estão interessados nas reformas; agora que estarão no poder, veremos se fazem o que dizem e teremos a chance de aguilhoá-los a agir.